Miriam Sperb
A maior parte dos agrotóxicos – 72% – usados no Brasil vai para as monoculturas de soja, milho e cana-de-açúcar. Essas commodities, mais o café, cacau, algodão, maçã, são alguns cultivos exportados pelo país que fazem uso de diferentes tipos de venenos. Dentre essas culturas, com exceção do milho, da cana e do arroz, onde a polinização se dá através dos ventos, todos as demais citadas dependem dos animais polinizadores para que o fenômeno aconteça, podendo daí ocorrer a fecundação.
Se essas aves, mamíferos e insetos ganhassem anualmente honorários pelo serviço que prestam à produção agrícola em território nacional, em valores de 2015, seria algo em torno de US$ 12 bilhões de dólares, segundo um relatório da Plataforma Brasileira de Biodiver- sidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP). Porque é graças ao trabalho desses polinizadores que quase 100 tipos de plantas consideradas alimentícias cultivadas no Brasil produzem frutos e sementes. Os benefícios se estendem à qualidade da produção e à ampliação da variabilidade genética, que ajuda a proteger os cultivos.
Abelhas
O maior grupo de polinizadores é formado pelas abelhas. Globalmente elas polinizam em torno de 73% das plantas cultivadas. Mesmo assim, nos últimos anos, a morte de bilhões de Apis mellifera foi causada por agrotóxicos usados no segmento que mais se beneficia dos serviços delas. A. mellifera é uma abelha generalista e a mais utilizada comercialmente, estando associada a 86 cultivos, sendo potencial polinizadora de 54.
O consultor em Meliponicultura Nadilson Ferreira, que há mais de 15 anos se dedica ao estudo e preservação das abelhas, alerta que, mesmo quando elas não morrem de imediato, devido aos herbicidas e fungicidas, elas sofrem sérios efeitos subletais:
“Esses efeitos subletais promovem o comprometimento de toda a colônia, que pode sucumbir em pouco tempo. Elas não conseguem mais realizar seus voos a contento. As trocas de informações não acontecem como deveriam ser. Os voos são curtos, muitas vezes as asas ficam disformes. Elas não podem nem voar. Às vezes, até na fase larval, não conseguem ir adiante, e, se conseguem, as abelhas nascem fracas e deprimidas.”
Sem ferrão são as mais ameaçadas pelos agrotóxicos
Apesar das manchetes na imprensa tratarem sobre a mortandade de A. mellifera, e de elas obviamente sofrerem com os venenos, Nadilson vê com preocupação redobrada a sobrevivência das abelhas nativas, registradas como visitantes de 107 cultivos e como polinizadoras de 52.
Já A. mellifera, por ser uma abelha cosmopolita, muito manejada, com constante multiplicação de colmeias para criar e fomentar toda uma grande cadeia na apicultura, torna-se menos suscetível, como espécie, do que as abelhas nativas. Mesmo que morra aos milhares, quem quiser fazer um apiário hoje ou amanhã ainda consegue, porque existe um apelo econômico como lastro.
“Entretanto, as abelhas nativas, pouco ou nada se sabe sobre elas a depender da espécie. No mundo existem cerca de 20 mil espécies de abelhas; no Brasil, 4 mil; e no Rio Grande do Sul, cerca de 324 espécies, das quais 24 são abelhas sociais sem ferrão. Restando desse montante as 300, que são abelhas solitárias. E aí, coitadas delas, não se sabe praticamente nada, mas elas estão no meio ambiente, sofrendo os mesmos processos, com o agravante de serem muito mais sensíveis.”
Nadilson relatou que os testes com produto agrotóxico usam A. mellifera para avaliar a mortandade das abelhas. No entanto, diversos artigos científicos afirmam que as abelhas sem ferrão são muito mais sensíveis do que a A. mellifera, a ponto de quantidades ínfimas de produtos que não matariam A. mellifera matarem as abelhas sem ferrão:
“Tem um artigo mesmo que fala que uma porção 320 vezes menor do que a que atingiu as larvas de A. mellifera foi suficiente para matar larvas de uruçu do Nordeste. São questões muito preocupantes, e essas abelhas ainda são muito pouco criadas pelos meliponicultores. Enquanto isso, estão sendo atingidas diretamente por esses agrotóxicos todos e não estão sendo repostas no ambiente na velocidade que seria necessária, e até o próprio ambiente está sendo destruído.”
Conservação
De que formas as pessoas podem contribuir para a conservação das abelhas e, assim, para sua própria sobrevivência? Na cartilha Espécies de abelhas sem ferrão de ocorrência no Rio Grande do Sul (2009) as autoras Sidia Witter e Betina Blochtein escreveram:
“A diminuição do uso de herbicidas nas culturas agrícolas também pode auxiliar na conservação de polinizadores, possibilitando a oferta de recursos alimentares a partir da vegetação ruderal ao longo do ano.”
Vegetação ruderal é aquela formada por plantas espontâneas, muitas de uso comestível, das quais várias foram batizadas mais recentemente pela nutricionista Irany Arteche com o acrônimo PANC (plantas alimentícias não convencionais).
À redução do uso de venenos, as autoras acrescentam a importância de:
● estabelecer locais para nidificação e recursos alimentares aos polinizadores, com cercas vivas e vegetação nativa;
● cultivar plantas que sejam fontes de alimento para as abelhas, como aquelas que florescem em épocas de escassez floral, ervas medicinais aromáticas e as PANCs.
Para Nadilson Ferreira, é importante também buscar diversificar os sistemas agrícolas. Conforme o pesquisador, muitas vezes em seu raio de voo as abelhas não conseguem ultrapassar grandes extensões cultivadas com uma única espécie de planta – as chamadas monoculturas extensivas – para chegar a um dos poucos ambientes naturais que restam. Em consequência disso, as abelhas acabam não saindo desses espaços. “Então ficam aquelas populações presas naquela ilha. Acontece o retrocruzamento e, como consequência, a depressão daquelas populações, fadadas ao desaparecimento por essa fatalidade.”
Para saber mais:
Effects of glyphosate exposure on honeybees
Fontes:
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Relatório da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) - Uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é injustificável e insustentável.
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Larissa Mies Bombardi, Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia.