Programação do 12º EARE - Encontro Ampliado da Rede Ecovida de Agroecologia

O seminário “Manejo Ecológico dos solos e saúde dos cultivos: de volta ao futuro” contou com as participações de Irene Cardoso, Laércio Meirelles, e Jamil Abdallah

A primeira contribuição foi da professora Irene Cardoso, que iniciou pontuando que nossos solos, a nível de Brasil e do mundo se encontram em alto nível de degradação, causada principalmente pela erosão, adubos químicos e agrotóxicos. A erosão pode ser física ou eólica. A erosão física ocorre quando a água, ao não conseguir infiltrar no solo, escorre e leva consigo partículas de solo. Aí a importância de mantermos um solo com boa estrutura e torrão estável. Sabem quem mantém o solo assim? A vida do solo! Sabem como essa estrutura e vida do solo são afetadas? Com o uso de arado e grade, por exemplo, que acabam por quebrar os torrões, geram compactação (pé de arado e pé de grade), o que leva a uma destruição ou entupimento dos poros do solo, não permitindo a infiltração de água. Outro fator que pode levar a essa situação são as gotas de chuva caindo sobre solo descoberto. Com esses e outros exemplos a professora Irena nos mostrou que terra e água são ‘irmãs siamesas’, onde uma depende da outra.

A conversa seguiu com comentários sobre os solos tropicais e a relação solo-clima-planta. Definiu a formação dos solos como “solo é rocha podre” explicou que nos trópicos, onde há muita chuva, acontece muito “apodrecimento” de rocha formando solos muito profundos e rebateu a afirmação muitas vezes feita de que “solos tropicais são pobres em nutrientes” explicando que não são pobres, mas que os nutrientes estão dispersos no perfil profundo dos dos solos tropicais.

Comentou também sobre as degradações causadas pelos adubos químicos e agrotóxicos chegando até a pergunta: “se sabemos de tudo isso, porque continuamos a degradar?” e a resposta foi uma reflexão sobre o longo e intencional processo iniciado na Revolução verde, onde a desculpa de alimentar o mundo serviu para enriquecer as corporações que formam o bilionário mercado do agronegócio. Esse processo continua até hoje onde o agronegócio brasileiro busca, com sua propaganda, afirmar que “tudo é agro”, ‘tratorando’ toda a diversidade de povos e saberes existentes no território brasileiro. A conversa caminhou até a resposta à essa degradação e hegemonia do agronegócio, baseada em latifúndio, exploração da natureza e das pessoas: o fortalecimento da agroecologia.

A partir daí a professora falou sobre manejo ecológico dos solos, onde a vida do solo deve ser preservada. Em relação à profundidade dos solos tropicais e seus nutrientes dispersos, entra a importância das árvores, capazes de trazer diversidade aos sistemas produtivos e promover a ciclagem dos nutrientes. Trouxe também os 10 mandamentos do manejo ecológico, dentre eles: Diversidade – Colorir o prato dos microorganismos dos solos; Cuidar dos animais: alimentá-los bem, arborizar as pastagens; Não queimar; Aproveitar bem os resíduos; Não envenenar a casa dos microorganismos entre outros. Com muito conteúdo, a palestra da professora Irene foi enriquecedora para todos os presentes.

Seguindo com as falas dos convidados, o próximo foi Laércio Meirelles com o tema da Trofobiose.
Laércio Meirelles iniciou sua fala com a pergunta: “Porque um seminário tratando de solos?” refletindo sobre a trajetória de Rede Ecovida e o atual momento. Constata-se hoje que o uso de insumos externos (aqueles que vem de fora da propriedade) está em alta, devido a diversos fatores. E dessa forma, esse seminário se propôs a tratar não só sobre o manejo de solos e o uso de insumos, mas sobre os princípios da agroecologia: “Por vezes usamos insumos para resolver uma situação ou um eventual problema. Está bem, mas, e se esse insumo não resolver o problema? Como vamos fazer? Nesse momento devemos voltar aos princípios, pois é com eles que vamos conseguir enxergar o todo e conseguir ter uma visão ampla sobre o que está acontecendo e criar as condições para que isso não aconteça novamente no futuro”. “O que nos fez chegar até aqui não foram os insumos, foram os princípios, e é pra eles que devemos voltar sempre.”

Após essa reflexão inicial entrou no tema central de sua fala, a Trofobiose. A teoria da trofobiose foi cunhada pelo francês Francis Chaboussou em seu livro “Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos: a teoria da trofobiose”. Em resumo, a teoria diz que uma planta equilibrada e saudável não é atacada pelas chamadas pragas ou por doenças pois não contém em si o alimento em uma forma disponível/assimilável para esses organismos. Mais ainda, a teoria diz que o uso de agrotóxicos e adubos químicos levam a um desequilíbrio da planta, tornando-a mais atrativa para pragas e doenças. Não entrando em detalhes sobre a teoria, Laércio contou como que os estudos de Chaboussou auxiliaram no desenvolvimento da agricultura ecológica na Serra Gaúcha nos anos 90, pois foi com esse entendimento e validação na prática que foram desenvolvidas técnicas e formas de produzir de forma ecológica. Contou sobre as primeiras lavouras de uva ecológica, em um tempo onde haviam dúvidas se seria possível produzir uva, maçã e outras culturas sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Contou ainda sobre o desenvolvimento do biofertilizante Supermagro, pensado cuidadosamente para a cultura da maçã, como forma de nutrir e promover a saúde da planta, de forma a suprir as necessidades de macro e micronutrientes, proporcionando um equilíbrio nutricional na planta.

A fala de Jamil Abdallah foi sobre o SPDH, sistema de plantio direto de hortaliças. Definido por Jamil como um método de transição agroecológica, se propõe a responder à pergunta “como tirar os adubos e agrotóxicos gradativamente?”, buscando romper barreiras e ousando dialogar com agricultores inseridos no modelo convencional de cultivo. A fala de Jamil proporcionou reflexões muito interessantes, colocando a planta como um ser inteligente e que está no centro do agroecossistema, alertando para a necessidade de se compreender quais as necessidades desse ser e suas relações com os outros organismos. Explicou que no SPDH o manejo vai no sentido de promover a saúde da planta e como que os caminhos para desenvolvimento do SPDH passam por uma construção coletiva do conhecimento.

Relator: @GabrielMeirelles

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